segunda-feira, 28 de março de 2011
O mercado dos duendes
O mercado dos duendes De manhã e à noitinha As donzelas ouviam pregões de duendes: “Venham comprar os frutos do nosso pomar, Venham comprar, comprar: Marmelos e maçãs, Laranjas e limões, Cerejas bem cheiinhas que ninguém ‘inda bicou, Melões e framboesas, Bochechas de veludo a que nós chamamos pêssegos, Uvas-dos-montes livres desde o berço, Amoras tão vermelhas E amoras que são pretas ou silvestres, Alperces, maçãs bravas, Morangos, ananases; – Todos amadurados em conjunto Com tempo de verão, – Alvoreceres passam, Bonitas tardes vão; Venham comprar, comprar: Uvas acabadinhas de apanhar, Romãs grandes e boas, Abrunhos acres, tâmaras, Arandos, peras raras, E até rainhas-cláudias, P’ra quem quiser provar: Groselhas variegadas, E bérberis em brasa, Figos que a boca aguarda, Limas vindas do Sul, Dulçor p’ra a língua e para o olhar saúde; Venham comprar, comprar.” E assim, tarde após tarde, Entre os juncos das margens do regato, Lizzie inclinava-se p’ra ouvir, Laura encobria o seu rubor: Acocoradas lado a lado, Refrescadas pelo tempo, De braços enlaçados e lábios prevenidos, Com coceira nas faces e nas pontas dos deditos. “Não te afastes,” disse Laura, Erguendo a testa dourada: “Não devemos contemplar estes duendes, Não devemos comprar os seus artigos: Ninguém sabe que solo satisfez Toda a avidez das suas raízes.” “Venham comprar,” gritam os duendes P’lo vale abaixo a manquejar. “Oh” gritou Lizzie, “Laura, Laura, Não espreites esses homens.” Lizzie cobriu então os olhos, Fechou-os bem não fossem el’s olhar; Mas Laura alçou a testa bem lustrosa, E murmurou como rio sem parar: “Admira Lizzie, admira, P’lo vale abaixo arrastam-se homenzinhos. Um del’s carrega um cesto, Um outro arrasta um prato, Um puxa uma travessa Que val’ todo o peso em ouro. Quão bela deve ser a vinha Que gera uvas tão gostosas; Quanto calor terá a brisa Que sopra em tais pomares.” “Não,” disse Lizzie: “Não, não, não; Seus dons não devem encantar-nos Pois são ofertas com peçonha.” Meteu seus dedos nos ouvidos, Fechou os olhos e fugiu: Laura, curiosa, quis ficar Para admirar cada tratante. Um tinha cara de gato, Um sacudia uma cauda, Um caminhava a passo de rato, Um arrastava-se à caracol, Outro rondava, obtuso e peludo, Como se fosse um marsupial, Outro ainda caía à sorte À maneira do ratel. Ela julgou ouvir vozes de pombos Vibrando num arrulho de conjunto: El’s par’ciam gentis, cheios de amor, Sob um clima de júbilo profundo. Seu pescoço fulgente esticou Laura Como um cisne embutido em plenos juncos, Como um lírio que vive no riacho, Como um ramo de álamo ao luar, Ou a largada daquel’ navio Que já ninguém pode amarrar. Pelo val’ musgoso acima Regressavam os duendes em conjunto, Repetindo os pregões bem estridentes, “Venham comprar, comprar”. Tendo chegado ao pé de Laura Ficaram quietos sobre o musgo, Olhar’s marotos repartidos Entre a estroinice dos irmãos; Sinais secretos compartidos Entre a malícia dos irmãos. Um del’s pôs o cesto no solo, Um outro ergueu o seu prato; Outro teceu uma coroa Com folhas, cirros e umas nozes Que não se encontram em nenhum lugar; Com ‘sforço um levantou o peso fulvo De uma travessa com fruta para lhe dar: “Venham comprar, comprar,” era ainda o seu pregão. De olhos arregalados, Laura não buliu, Frustrada pela falta de dinheiro: Um del’s, com cauda louca, incitou-a a provar Num tom de voz tão suave como o mel, O da cara de gato ronronou, O do passo de rato apresentou as boas vindas, O do passo de caracol falou; Outro, de alegre voz de papagaio, Em vez de “Levo-te uma carta” Exclamou “Compra-me esta fruta”, – Qual pássaro, houve um outro que assobiou. Mas à pressa falou a ávida Laura: “Boa gente, não tenho como vos pagar; Se eu me servir é o mesmo que roubar: Não tenho cobre em minha bolsa, Também não tenho prata, Todo o meu ouro está no tojo Que treme em tempo ventoso Sobre a urze ferruginosa.” “Na tua cabeça tens muito ouro,” Foi a resposta deles todos: “Podes pagar co’um caracol dourado.” E um caracol precioso ela cortou, E pérola valiosa ela chorou, Depois chupou o frutedo rubro ou claro: Mais doce que o mel do rochedo, Mais forte que o vinho exaltante, Mais claro do que água corria aquel’ sumo; Nunca antes provara ela nada par’cido, Por mais que o bebesse o fastio era nulo. Chupou e chupou e chupou mais ainda Os frutos que o ignoto pomar produzia; Chupou até a boca ficar dolorida; As cascas sem nada depois deitou fora, No entanto apanhou um caroço co’ amêndoa, E já não sabia se dia era ou noite Ao voltar p’ra casa sozinha. Lizzie foi ter com a irmã ao portão, Sábia com mil reprimendas “Querida, não deves tardar assim tanto, O anoitecer é mau para as donzelas; Peço que não te demores no vale Nos lugares onde param os duendes. Não te lembras da Jeanie, Como ela os encontrou à luz da lua, Tomou suas prendas muitas e de classe, Comeu sua fruta e usou suas flor’s colhidas Naquel’s boudoirs de sombras dos jardins Onde sempre o verão amadurece? Mas desde então à luz que vem do sol Ela foi definhando e definhando; Buscou-os dia e noite, tudo em vão, Mas foi encanecendo e estiolando; Caiu depois com a primeira neve, E até hoje nenhuma erva cresce Onde ela jaz p’ra sempre: Há um ano atrás plantei lá bem-me-queres, Os quais nunca florescem. Não deves regressar tão tardiamente.” “Caluda!,” disse Laura: “Caluda!, minha irmã: Eu comi e comi à discrição, Contudo ainda sinto água na boca; Na noite de amanhã Comprarei mais;” e deu-lhe um beijo: “Não te queixes; Amanhã vou trazer-te ameixas frescas Que ainda vêm presas aos seus ramos, E cerejas que valem toda a pena; Nem consegues imaginar os figos Que os meus dentes puderam penetrar, O monte de melões frios Sobre uma travessa de ouro Grande demais p’ra eu segurar, O aveludado da pele dos pêssegos, A transparência das uvas sem grainha: Bem odorosa será a campina Onde eles crescem, e pura a torrente Que eles bebem com lírios pela beira, E doce como açúcar a sua seiva.” Dourada testa junto a testa igual, Como em seu ninho duas pombas mantendo As asas enlaçadas, Sob um dossel estão deitadas: Como duas flores num só caule, Ou dois cristais recém-nevados, Como dois ceptros de marfim e ponta de ouro Para reis que são medonhos. As estrelas e a lua contemplavam-nas, Com seu cantar os ventos embalavam-nas, Abstinham-se de voar mochos pesados, Nenhum vaivém se ouvia de morcegos À volta da sua paz: Face com face e os peitos bem juntinhos, Abraçam-se uma à outra no seu ninho. De manhã cedo Quando o primeiro galo deu o aviso, Puras como as abelhas, doces, lestas, As duas levantaram-se: Foram buscar o mel, ordenharam as vacas, Arejaram, puseram em ordem a casa, Com o trigo mais branco cozinharam bolos Destinados a bocas requintadas, Depois bateram natas, fizeram manteiga, Deram comida às aves e por fim sentaram-se Costurando e falando com justo recato: Lizzie de alma aberta, Laura absorta em sonhos, Uma contente, a outra em parte doente; Uma chilreando o bem do dia claro, A outra pela noite suspirando. Chegou por fim o entardecer moroso: Munidas com seus jarros deslocaram-se Até junto do arroio bem juncoso; A Lizzie estava plácida no olhar, Mas Laura era uma chama a saltitar. Da profundez tiraram gorgolejos de água; Colheu Lizzie os mais ricos lírios de ouro e roxo, E a olhar p’ra casa disse: “O pôr-do-sol já cora Lá muito ao longe aqueles penhascos grandiosos; Vem, Laura, não há moça que fique p’ra trás, Nenhum teimoso esquilo ‘inda se mexe, Animais e aves dormem como pedras.” Mas entre os juncos Laura ‘inda tardava, Dizia: “A margem é muito empinada. Ainda é cedo, o orvalho não caiu, O vento não gelou;” Tentava em vão ‘scutar o usual pregão, O reiterado jingle todo feito De iscos de açúcar presos às palavras “Venham comprar, comprar”. Por muito que observasse, Não discernia um duende só que fosse, Mancando, correndo, caindo em confusão; Quanto mais a multidão Que por norma rojava pelo vale De feirantes notáveis p’la malícia, Traficando ora a solo ora em equipa. Mas Lizzie insistiu, “Oh! Laura, vem; Ouço o pregão, porém não ouso olhar: Não deves mais tardar junto a este riacho: Vem p’ra casa comigo. Já há ‘strelas no céu, flecte a lua o seu arco, Cintila o pirilampo, Vamos antes de a noite se toldar: Pois, apesar de estarmos no verão, Os nimbos podem sempre cumular-se, Podem fechar as luzes e encharcar-nos; Se nos perdêssemos, o que faríamos?” Laura foi trespassada pelo frio Ao notar que o pregão só p’la irmã era ouvido, Aquel’ pregão dos duendes, “Venham comprar, comprar os nossos frutos.” Não mais pod’rá comprar fruta tão fina? Não mais encontrará o pasto sucoso, Como se fosse surda e também cega? Desde a raiz murchou sua árvore da vida; Calou-se ante a severa dor do coração; Mas, às apalpadelas no escuro cerrado, Arrastou-se p’ra casa, o seu jarro pingando; Rastejou até à cama, e assim se deitou Silenciosa até Lizzie adormecer; Depois sentou-se em ânsia apaixonada, Rangeu frustrada os dentes, e chorou Como se o coração fosse romper. Dia após dia, noite após noite, Laura montou a sua guarda em vão Num silêncio soturno de extrema aflição. Jamais voltou a ouvir aquel’ clamar: “Venham comprar, comprar;” – Jamais voltou a espiar os homens duendes Seus frutos apregoando pelo vale: Mas ao se encher de brilho a meia-noite Ficou o seu cabelo fino e pardo; Ela mirrava, lua cheia e clara Que súbita declina e o seu fogo Consome até à ruína. Certo dia lembrando-se do seu caroço Plantou-o junto a um muro virado a sul; Orvalhou-o com choro, sonhou uma raiz, ‘sperou o crescimento de um rebento, Mas nenhum apareceu; Nunca este viu a luz, Nunca sentiu a seiva correr gota a gota: Enquanto de olhos fundos e apagada boca Ela ideava melões, como um viajante vê No deserto ondas falsas Com árvores monarcas das suas sombras, E na brisa de areia arde ‘inda mais sedento. Deixou, pois, de varrer a casa, De tratar das galinhas ou das vacas, De arranjar mel, de cozinhar bolos de trigo, De trazer água da ribeira: Mas sentou-se delida num cantinho da lareira E sem querer comer. Não suportava a terna Lizzie Ver o cuidado que ulcerava a sua irmã Sem o poder partilhar. De noite ou de manhã ‘Inda ouvia o pregão: “Venham comprar os frutos do nosso pomar, Venham comprar, comprar:” – P’lo vale fora, perto do ribeiro, Ela ouvia o rastejo dos duendes, A voz e o reboliço Que a pobre Laura não podia ouvir; Ansiava comprar fruta p’ra a alentar, Mas temia pagar caro demais. Lembrava-se da Jeanie na sua campa, Que deveria ter sido uma noiva; Mas que ao gozar prazer’s que as noivas sonham Adoeceu e morreu Na primavera da sua vida, No início da estação mais fria, Com a primeira geada luzidia, Com a primeira neve da invernia. Até que Laura, decaindo, Par’cia estar às portas já da Morte: Então Lizzie perdeu o calculismo (O que era, ao fim a ao cabo, melhor ou pior?); E metendo na bolsa uma moeda de prata, Beijou Laura e cruzou, sob luz crepuscular, O maciço tojal, até chegar ao riacho: Aí pela primeira vez na vida Começou a ouvir, começou a olhar. Todos os duendes se riram Quando a toparam a espreitar: Vieram ter com ela a manquejar, A correr, a voar, a saltar, a arquejar, A bater palmas, a rir por entre dentes, A fazer có có ró e glu glu glu, Peritos na careta e no esgar, Cheios de boas maneiras, Mas fazendo caras feias E momices circunspectas, Como ratos ou ratéis, Como gatinhos, – marsupiais, Em passo de apressados caracóis, Assobiando à papagaio, Sem rei nem roque, a trouxe-mouxe, Tagarelando como pegas, Esvoaçando como pombos, Ou deslizando como peixes, – E abraçaram-na e beijaram-na, E apertaram-na em carícias: Estenderam-lhe os seus pratos, Os seus cestos e travessas: “Vem ver as nossas maçãs (Temos golden e reinetas), Abocanha estas cerejas E mordisca os nossos pêssegos, Temos limas, temos tâmaras, Tantas uvas que é só pedir, Temos peras que avermelharam Por passarem o tempo ao sol, Temos ameixas nos seus galhos; Anda lá: arranca, chupa, Os figos e as romãs.” – “Boa gente”, disse Lizzie, Sempre com Jeanie na mente: “Dêem-me muito, muitíssimo:” – E estendeu o seu avental, E pagou a dinheiro o destino. “Ai, não senhora, senta-te connosco, Dá-nos a honra de comer’s connosco,” Disseram el’s de tacha arreganhada: “’stá mesmo a começar esta festança. A noite ‘inda agora é uma criança, Quentinha e aljofarada, Sem sono e estrelada: É que frutos como estes não podem Ser levados por mão de Homem: Metade do seu veludo voaria, Metade do seu rocio secaria, Metade mesmo do seu sabor Passaria despercebido. Senta-te e festeja connosco, Convive, ó bem-vinda, connosco, Desfruta e descansa connosco.” – “Obrigada,” disse Lizzie: “Mas há uma pessoa Sozinha lá em casa esperando por mim. Assim sendo, acabou-se o parlamento: Se não me vão vender fruto nenhum Ainda que eles sejam um milhão, Passem p’ra cá a prata que vos dei Como gratificação.” – Então, el’s desataram a coçar as tolas (Acabara-se a cauda mansa e o ronronar), Puseram-se a discutir, A grunhir e a rosnar. Um chamou-lhe emproada, Intratável, grosseira; Falavam de voz exaltada, Olhavam de maneira malfazeja. Sacudindo com fúria as caudas, Eles pisaram-na e empurraram-na Co’ encontrões e cotoveladas, Arranharam-na com as unhas, Ladrando, miando, pateando, Depois rasgaram-lhe o vestido E macularam-lhe o collant, Arrancaram-lhe algum cabelo, Pisaram os seus pezinhos, Prenderam as suas mãos E espremeram-lhe na boca a fruta Para a obrigar a engolir. A branca e fulva Lizzie manteve-se impávida, Como um lírio cercado p’la enxurrada, – Como a venação garça de uma rocha Com ‘strondo fustigada por marés, – Como um farol deixado à sua sorte Num mar imemorial e barulhento, Arremessando o brilho da sua chama, – Como a árvore coroada de laranjas E branca de botões doces com mel Sitiada em dor p’la vespa e pela abelha, – Como a cidade virgem, principesca, Com profusão dourada de pináculos, Sob o vizinho cerco de uma esquadra Ansiosa por arriar a sua bandeira. Mas pode-se levar o burro à fonte, Não se pode é obrigá-lo a beber. Por isso, embora os duendes lhe batessem, A combatessem, a aliciassem, Fizessem bullying, suplicassem, A arranhassem e com beliscões pintassem Até ela enegrecer, A pontapeassem, a empurrassem, A achincalhassem e espancassem, Lizzie não soltou uma só palavra; Nem deixava um do outro os lábios se afastarem, Não fossem aquel’s duendes mercadores Enfiar-lhe um pedacinho boca adentro: Mas dentro havia apenas o seu riso Ao sentir o gotejar daquel’ xarope Que cobria a sua face, E se alojava nas covinhas do seu queixo, E que riscava o seu pescoço que tremia Tal e qual uma coalhada. Por fim as criaturas malfazejas, Batidas por tão grande relutância, Fizeram-lhe o reembolso, e chutaram os seus pomos Por todos os atalhos nos quais se dissiparam, Sem deixarem raízes, caroços ou renovos; Alguns serpentearam para dentro do chão, Alguns, com ondinhas circulares, Mergulharam no arroio, Alguns deslizaram para o vento Sem fazerem um som, Alguns desapar’ceram na distância. Ardendo em ânsia, Lizzie foi-se embora; Não sabia se era noite ou dia a hora; Trepou a margem, percorreu o tojo, Atravessou bosquetes e gargantas, E ouvia a sua moeda chocalhar Quando saltava no seu bolso, – Nada menos do que música. Fartou-se de correr Como se receasse que algum duende Corresse atrás de si com seus remoques Ou outra coisa pior: Mas não havia duende acossador, Nem ‘stava ela acirrada pelo medo; Era o bom coração que a compelia, Com rapidez de vento, Na direcção de casa. Seu fôlego era pouco para a pressa E p’ra o riso interior. Pelo jardim acima, gritou ”Laura, Sentiste a minha falta? Vem beijar-me. Não te importes co’as minhas pisaduras, Beija-me, abraça-me, suga estes meus sumos Espremidos dos frutos dos duendes para ti, São polpa e são orvalho de duende. Come-me, bebe-me, ama-me; E põe-me bem nos píncaros, ó Laura: Por tua causa eu afrontei o vale E tive de lidar com o seu mal.” Laura sobressaltou-se na cadeira, Agitou os seus braços pelo ar, Agarrou a cabeleira: “Lizzie, Lizzie, tu provaste Por minha causa o fruto proibido? Também a tua luz será ‘scondida, Também tua juventude dissipada, Desgraçada em minha desgraça, Arruinada em minha ruína, Ulcerada, sequiosa, pelos duendes subjugada?” – Agarrou-se à sua irmã, Beijou-a sem parar: Caindo como chuva Após uma aflitiva seca, De novo refrescaram suas lágrimas Os olhos evidentes de magreza; Tremendo de pavor febril, de dor, Beijou-a sem parar com boca ávida. Os lábios começaram a queimar, Para o seu paladar aquel’ sumo era absinto, Ela odiou o festim: Possuída em contorções pôs-se a saltar e a cantar, Rasgou a sua roupa, Torceu as mãos em lamentosa urgência, Pôs-se a bater no peito. Seus caracóis tremiam como a tocha Que leva um corredor em disparada, Ou como a crina de um cavalo em fuga, Como a águia quando avança contra a luz A direito na direcção do sol, Como uma coisa presa libertada, Ou como uma bandeira esvoaçando Quando correm os exércitos. Um fogo rápido alastrou ao coração, Achou aí um outro fogo a bruxulear E subjugou a sua diminuta chama; Amargura sem nome ela comeu até fartar: Ah! sua louca, escolher um tal quinhão De aperto de alma! A consciência falhou na mortal liça: Qual torre de vigia estilhaçada Por um tremor de terra na cidade, Qual mastro por relâmpago atingido, Qual árvore arrancada p’ra raiz Ao vento rodopiando, Qual tromba-d’água alçando a sua espuma Lançada de cabeça sobre o oceano, Ela caiu por fim; Tão livre de prazer como de angústia, É morte ou vida? Vida oriunda da morte. Vigiou-a Lizzie ao longo dessa noite, Contou-lhe o enfraquecer da pulsação, Sentiu-lhe o custo da respiração, Levou água aos seus lábios, refrescou a sua face Com lágrimas e leques que eram folhas: Mas quando nos beirais aves cantaram, E os matinais ceifeiros se arrastaram Para os lugar’s dourados por paveias, E a relva com orvalho se vergou P’ra deixar passar ventos apressados, E botões novos com o novo dia Abriram lírios que eram cálices no arroio, Laura acordou como no fim de um sonho, E riu-se, inocente como dantes, Abraçou Lizzie sem querer parar; Cinzento não havia nos seus caracóis brilhantes, Seu hálito era fresco como Maio, E a luz fazia danças no olhar. Passados muitos dias, meses, anos, As duas já casadas, Já tendo descendência; O medo à espreita em cada alma materna, Suas vidas em união com ternas vidas; Laura chamava os filhos pequeninos P’ra lhes falar da sua juventude, Dias de plenitude há muito idos, Tempo que não regressa: Falava sobre o assombrado vale, Sobre o bizarro mal daquel’s feirantes, Seus frutos como mel p’ra o paladar Mas veneno para o sangue; (Frutos que não se encontram em nenhum lugar). Falava da firmeza da sua irmã Que em perigo de vida lhe trouxera O antídoto benéfico e escaldante: Depois juntava as mãos às mãos pequenas Num convite à unidade, “Não há maior amiga que uma irmã Em tempo de bonança ou tempestade; Para nos animar na adversidade, P’ra nos chamar de novo ao bom caminho, Para nos levantar se vacilarmos, P’ra nos dar força enquanto resistimos.” Christina Rossetti (tradução de Pedro Ludgero) http://www.pedroludgero.com/orfeudecorpointeiro/traducao-do-poema-goblin-market/#more-97 https://wiki.geneseo.edu:8443/display/littexts/Goblin+Market http://cabodaboatormenta.blogspot.com/
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